Dos Horários
Devia ter adivinhado. Avizinhava-se a tempestade. Acabar só, perdido... Será este o meu destino? Já não me entristece. Não quero lutar por mais nada. Nem por ninguém. Pareceste-me uma sombra, algo tão passageiro que nem a intemporalidade de um momento conseguiu reter. Nem as seiscentas mil fotografias que tirei hoje guardam alguma coisa. O que se retém de importante é no coração. Não em nenhum cartão de memória. És um resto de uma época que sabia já ter terminado, mas que quis prolongar. Uma espécie de auto-mutilação que me arrasta para esses comportamentos sociais, mais estranhos até do que minha própria existência. Sou um anti-social. Tanto ou tão pouco que nem aqueles que me são mais próximos me arrastarão. Preciso dessa noite. De uma noite de culpa, de ódio por tudo aquilo que não fiz, talvez até pelo que fiz. Preciso de me odiar, até ao extremo. Só quando a dor se tornar demasiado insuportável irei parar. Só temo como irei parar. Talvez de uma forma demasiado brusca. Só não quero magoar mais ninguém. Não quero mais sangue, bem chega todo aquele que corre neste chão. Bem chega toda a merda que fiz, num ano e meio desta cidade estúpida, que apenas me trouxe a infelicidade de perceber a fraqueza de espírito e de corpo que me consome e consumirá. Essa que não me permite ser feliz, pois também não me permite a infelicidade. Sou o homem do sorriso. Não do sorriso ternurento, nem do sorriso feliz, nem do triste..Sou simplesmente o homem que sorri como se cumprisse uma espécie de horário para ser feliz.
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